Há alguns anos, na altura do Carnaval, tínhamos combinado ficar na Pousada da Juventude e palmilhar o Gerês a pé, que é um local lindíssimo e que recomendo a todos os que gostem de natureza. Mochilas de campismo, agasalhos, bússolas, telemóveis e alguns bens alimentares e eu transportava também uma lanterna e uma pequena farmácia. Tudo preparado para uma excelente aventura! Incluindo a carta topográfica para nos orientarmos. Para quem não conhece, esta carta possibilita a identificação de troços de água, estradas e caminhos, a presença de edifícios, bosques e fundamentalmente o relevo, que, para quem pretende fazer uma caminhada é crucial para a gestão do esforço.
Através do estudo desta carta, traçámos o percurso ideal para efetuar e voilá, no dia seguinte saímos da pousada cedinho e começámos o nosso caminho.
Tudo estava a correr bem, foi uma manhã fantástica com novas descobertas, a respirar ar puro, a passar por aldeias pedra sobre pedra, e eu trouxe para casa uma recordação existente num local que me marcou particularmente, porque fiquei com a sensação de algo estranho: uma antiga aldeia de pescadores, que deveria ter ficado submersa, pelo menos aparentemente era o que parecia, com muita humidade, o terreno mais arenoso, alguns indícios de animais do mar, agora fossilizados, e algo a brilhar no meio do caminho - um anzol. Mas não era um anzol qualquer, era um anzol com chapinhas de identificação e acessórios decorativos, via-se que tinha muitos anos. Adorei aquela peça e fiquei o caminho todo a pensar nas histórias que este precioso objeto guardaria.
Da parte da tarde fizemos uma pausa para lanchar e enquanto alguns comiam, outros foram á frente descortinar o que se seguia. Chegaram à conclusão que o caminho que tínhamos escolhido era impossível de seguir, pois parecia que tinha havido um desabamento de terras impossibilitando a passagem. Qual a única solução? Voltar para trás!
Apressámos o passo, porque o que tínhamos combinado era jantar na pousada, e, uma vez que não haviam caminhos alternativos, tínhamos de voltar exatamente por onde tínhamos vindo, e já estava a escurecer.
Chegámos novamente ao local onde tinha encontrado o anzol e não havia aldeia.. Ao invés da aldeia, existia sim um troço de água e não era nada pequeno, porque conseguia cobrir as casas (ou os amontoados de pedra). Ok, tudo controlado, estávamos entre um rio e um desabamento de terras, que não apareciam assinalados na carta topográfica. Pudera, a carta já tinha 20 anos! E em 20 anos muita coisa acontece!
Primeira reação de todos: pânico, lamentações, gritos e no meio desta choradeira, um som pouco esperado: gargalhadas. Alguém se ria a plenos pulmões: Eu!
Ria a bandeiras despregadas e estava com um olhar entusiasmado, porque finalmente se tinha feito luz, e o que eu tinha achado estranho, afinal tinha uma justificação bem simples: Aquele espaço tinha-me parecido mais atual que em redor, isto porque a água devia trazer elementos que ficavam a repousar até que viesse novamente a água com outros elementos. Tudo explicado! Acho que neste momento me queriam todos internar num manicómio, mas foi o clique que nos fez despertar e deixar de lamentar.
Primeira reação: telemóveis – não tinham rede, não conseguíamos avisar ninguém. A maior parte não tinham lanternas, pois utilizavam as dos telemóveis só que estes ficaram sem bateria de tanto tentarem sincronizar com a rede. Havia apenas a minha lanterna pequenina (pelo menos era daquelas manuais, portanto funcionava sempre).
Todo o cenário se compunha: desabamento de um lado, rio de outro lado, sem telemóveis e sem lanternas (à exceção da minha poderosa lanterna mini para cerca de 10 pessoas)!
A verdadeira aventura começava agora. Procurámos ao longo do troço de água (sempre a subir, pois o caudal ia diminuindo) uma parte em que fosse fácil saltar, não havia, o melhor mesmo era um local em que tínhamos de saltitar por entre pedras, colocar os pés no rio, na água gelada e pronto! Primeiro obstáculo: concluído!
Mas quem sobe, depois também tem de descer, certo? Segundo obstáculo: a chuva, que já se fazia sentir há algum tempo e que tinha transformado a terra em autênticos escorregas de lama. O que nunca fazer? Ir em fila indiana. Estávamos muito juntos e íamos agarrando o que encontrávamos: árvores, arbustos, em eu primeiro lugar porque tinha a lanterna. Eis senão quando, o último da fila se desequilibra, eu só tive a reação de saltar para o lado e de ver todos os outros como uma espécie de pinos de bowling a tombar à medida que o outro ia passando. Uma coisa é certa, chegaram ao fundo bem primeiro do que eu e muito mais amachucados.
Finalmente após estes dois percalços encarreiramos com um caminho estável e demos corda aos sapatos!
Chegámos à pousada já de madrugada, por volta das 3h da manhã, somente com 6h de atraso. Todos enlameados e molhados, mas bastante quentinhos internamente, por esta maravilhosa aventura que gerou muitas gargalhadas no dia seguinte! E vocês, já tiveram alguma história semelhante?