A vida não é como os computadores.
Devia ser. Não, tal e qual. Mas um bocadinho.
Devia permitir um ensaio. Um regresso, ao minuto anterior.
Dava jeito. Às vezes, dava jeito. Poder retirar aquela palavra. Daquela conversa.
Voltar atrás. E poder não enviar aquela mensagem.
Ou simplesmente. Poder voltar atrás. Numa ou noutra atitude.
Tive consciência disto. Quando tinha 13 anos.
Tinha 13 anos. Estudava no Pedro Nunes. Na Estrela.
Andava no 7º ano. Tinha uma professora de Ciências. Absolutamente genial.
É claro que só dei conta disto, anos mais tarde.
No 7º ano. Ciências, nem era a minha disciplina preferida.
Queria era ter uma nota civilizada para os meus pais não me chatearem. Só isso. E ficava-me por aqui.
Num tempo em que não havia tantos exames como agora.
A minha professora estava a borrifar-se um bocado para o saber que estava no livro.
Passávamos o tempo a fazer experiências. E trabalho prático.
Desde abrirmos corações. Escrutinarmos seres pequeninos dentro da terra. Microscópios. E rochas. Etc.
As aulas eram uma animação.
Se em casa. Nunca podia torcer o nariz a nada. Mostrar-me demasiado enjoada. Nem fazer-me de interessante.
Na escola. Achava que mandava alguma coisa.
E...
...no dia em que a professora.
Apareceu com um ratinho todo esticado e pronto a ser dissecado. Eu, Joana.
Armei-me em diva.
Mais ou menos como o meu cão Vasco faz. Quando dá de caras com uma aranha.
Os meus colegas rejubilaram. Eu. Encolhi-me num canto e ameacei chorar tal e qual uma miúda mimada.
A professora abriu o ratinho.
Os alunos estavam à volta dela. Para ver tudo.
E eu, Joana. Espreitava pelo canto do olho.
Depois de mostrar todos os cantos e recantos do ratinho.
A professora quis exemplificar como é que em caso de necessidade se podia reanimar a criatura.
Mostrou-nos uma palhinha. E disse-nos:
- Posicionamos a palhinha na boca do ratinho e sopramos levemente. Joana, chega, aqui. Tenta lá...
Passou-me a palhinha para a mão.
Debrucei-me sobre o ratinho.
Com mil Slimanis!...cheirava tão mal o caneco do animal!
Só de pensar que tinha de soprar na boca do bicho.
Era caso para pedir a reforma aos 13 anos. Tal era o trauma com que iria ficar...
Perdido por 1. Perdido por 1000.
Joana. Eu. Posicionei-me.
Joana. Eu. A enfrentar o touro pelos cornos. Ou melhor, a goela do ratinho.
Joana. Eu. Debruçada. A olhar o ratinho de cima para baixo.
Joana. Eu. Palhinha dentro da boca do ratinho.
Joana. Eu. A comandar a reanimação do ratinho. Qual Bas Dost no momento de marcar um penalti!
Os colegas sussurravam.
Queriam estar ali.
Na boca do lobo. Ou melhor, na goela do ratinho.
Credo. Ó senhores! O bicho cheirava mesmo mal...e ninguém me pagava para tal...
Joana. Eu. Inspirei.
Joana. Eu. Qual tornado. Soprei.
Joana. Eu. Não percebi o que aconteceu.
Os colegas gritaram. E afastaram-se.
Senti qualquer coisa na cara.
E vi a professora...horrorizada.
Joana. Eu. Bruta. Que nem uma porta.
Soprei demais.
E o ratinho foi pelos ares. Ratinho por todos os lados. Tal foi o tamanho do sopro.
Ainda hoje, quando encontro os meus colegas de escola.
Não se lembram de mim porque tirei a melhor nota a história.
Ou porque cantei espetacularmente bem na festa de final de ano.
Não!
Claro que não!
Sou lembrada por este episódio. Épico.
Não seria bom. Que a vida fosse como os computadores?
Pois, só que não é. Só que não é.